O número básico de reprodução, erradamente
referido como taxa básica de contágio, que se indica por R0 (lê-se R-zero), é o número médio de pessoas
infectadas por um único indivíduo infectado, introduzido em uma população
completamente suscetível. O cálculo de R0
é feito por meio de modelos matemáticos.A primeira
estimativa do número básico de reprodução R0
para a COVID-19 foi feita com os dados de 425 casos ocorridos
no início do surto, isto é, janeiro de 2010, em Wuhan, China (1). Os cálculos indicaram que um
indivíduo infectado introduzido em uma população completamente suscetível é capaz de infectar em média 2,2 pessoas (IC 95%: 1,4-3,7). Já um relatório do Imperial
College de Londres, publicado em 25 de janeiro de 2020 (2), mostrou dados da
China para informar que R0
é, em média, 2,6, com uma amplitude de incerteza entre 1,5 a 3,5. Mas um
trabalho publicado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos
Estados Unidos da América (3) com dados de 140 casos confirmados de COVID-19 ocorridos
em janeiro de 2020 na China, quase todos fora da província de Hubei, traz uma
estimativa de 5,7 (IC: 3,8-8,9) para a mediana de R0.De qualquer forma, a leitura
exaustiva de muitos trabalhos indica ser razoável considerar, por ora, que para
a COVID-19, R0 varia entre
2 e 3, ou seja, estima-se que um indivíduo infectado introduzido
em uma população completamente suscetível, mesmo que assintomático, é capaz de contagiar de 2 a 3 pessoas. Mas é
importante entender que R0 é
apenas um indicador da capacidade de transmissão de uma doença – não mede a
severidade nem a velocidade com que o patógeno se espalha. No entanto, o valor
de R0 é muito
útil porque permite avaliação rápida da situação:· Se R0 < 1: cada infecção existente causa menos do que
uma nova infecção. A doença diminuirá e eventualmente desaparecerá.· Se R0 = 1: cada infecção existente causa uma nova infecção.
A doença permanecerá viva e estável, mas não haverá um surto ou uma epidemia.· Se R0 > 1: cada infecção existente causa mais de uma
nova infecção. A doença será transmitida entre as pessoas e pode haver um surto
ou epidemia.Embora o número básico
de reprodução seja referência no início de uma epidemia – e os dados obtidos na
China em janeiro de 2020 já apontavam para uma epidemia – precisa ser
substituído por outro indicador que avalie o potencial de transmissão da doença ao longo do tempo. Afinal, uma
pessoa que tenha a doença e se recupere deve adquirir alguma imunidade. Logo, a
população deixa de ser composta apenas por susceptíveis. Deve-se então estimar o número
efetivo de reprodução.Por definição, número efetivo de reprodução, erradamente referido como taxa
efetiva de contágio, que se indica por R ou Rt.(lê-se
R-t), é o número médio de pessoas infectadas em determinado momento t por um indivíduo infectado introduzido
em uma população parcialmente imune.É claro que R0 e Rt estão relacionados. Fazendo s indicar a proporção da população suscetível de contrair a doença
no instante t, tem-se que:
Veja um exemplo. Vamos
tomar R0 = 2. Se em certo
instante t, a proporção de susceptíveis for 70%, então s = 0,7. Nesse instante
t,
A interpretação do valor
calculado de Rt é simples:·
Rt>1: o número de casos da doença está aumentando.
Epidemia.·
Rt
= 1: cada infectado causa uma nova infecção. Endemia·
Rt
<1: de um caso. A doença diminuirá
e eventualmente acabará.Em
relação à COVID-19, qual é o Rt para o Brasil? Fatores biológicos, sócio-comportamentais e ambientais, ou
seja, não apenas o tempo, mas também o espaço afeta a disseminação do SARS-COV-2, o que explica, em parte, a grande variação
das estimativas de Rt. Mas a variação
entre as estimativas também se explica pelos diferentes modelos matemáticos utilizados e pelas pressuposições feitas que, até certo
ponto, são subjetivas. Ainda, depende da exatidão dos dados. No caso da COVID-19 no Brasil, há
dados divergentes devido à baixa testagem da população, à sub notificação, à
dificuldade de obter informação de sistemas de saúde sobrecarregados, às
divergências de critérios, à dubiedade das políticas de saúde.Mesmo
assim, no início de maio de 2020, o Imperial College de Londres, que faz estimativas de
diversas estatísticas da disseminação da COVID-19 para muitos países, considerou
o Brasil epicentro da COVID-19 no mundo (4). Estimou o número efetivo de
reprodução da doença para os estados do Brasil e encontrou valores abaixo das
estimativas iniciais, isto é, menor do que 2, mas maior do que 1, indicando que
os casos da doença continuariam aumentando.O fato é que o Brasil
enfrenta a perspectiva de uma epidemia que continuará a crescer
exponencialmente. A contenção da comunidade está
sendo feita de forma muito hesitante, o que explica a baixa adesão da população – principalmente a mais pobre, que não tem
ajuda oficial, precisa trabalhar para ganhar o pão de cada dia e não tem a
percepção do risco da doença. Chegou-se a argumentar que o
distanciamento físico, o isolamento e a quarentena infringem os direitos
individuais de ir e vir. Mas o fato é que o governo federal está buscando a
imunidade do rebanho – uma forma de conter a epidemia que tem seu preço em recuperados
que carregam sequelas e mortes que poderiam ter sido evitadas. Ninguém
sabe o que acontecerá no futuro, embora exista uma certeza: tudo isso será debatido por anos.Referências
1.
Qun, Li et alii. Early
transmission dynamics in Wuhan, China, of novel coronavirus-infected pneumonia.
New Eng. J. Med. 382:1199-1207. 2020.
doi:10.1056.
2.
Imai, N. et alii. Report
3:Transmissibility of 2019-nCoV. Imperial
College London.COVID-19 Response Team. 5th January 2020 DOI:
https://doi.org/10.25561/77148
3. Sanche, S. et
alii. High contagiousness and rapid spread of severe acute respiratory syndrome
coronavirus 2. Emerg Infect Dis. 26: 7. July
2020 https://doi.org/10.3201/eid2607.2002824.
Mellan, T. et alii. Report 21: Estimating COVID-19 cases and
reproduction number in Brazil Imperial College COVID-19 Response Team. 8th
May 2020 DOI: https://doi.org/10.25561/78872 .