O experimento do funil de Deming

 

Quando
se pensa em Controle da Qualidade, depara-se com a questão de o que fazer
quando ocorrem itens não conformes. Uma ideia comum é a de agir de imediato e
“resolver” o problema. Mas o resultado desse esforço será um aumento da
variabilidade do processo. Quando são produzidos muitos itens não conformes, é preciso
corrigir o sistema – não basta “mexer” aqui e ali. Utilizar um feedback eletrônico para manter um
característico de qualidade dentro das especificações causa, pelo excesso de
ajustes, perdas nos estágios subsequentes.

 

 Para
o estatístico que trabalha em Controle da Qualidade, é importante entender a
razão teórica desta afirmativa. Deming
1 dá, então, um exemplo
concreto sob o título “Experiências Monte Carlo com um funil”. O propósito
dessa experiência, que o autor recomenda fazer com um funil e uma bolinha de
gude, é demonstrar que ajustar um processo excessivamente conduz à perda – e
não ao ganho, como muitas vezes se supõe.

 

Deming
propõe a experiência – mas não demonstra a base estatística. Uma referência teórica
é dada de forma muito ampla e complexa em outro texto do mesmo autor 2.
O presente trabalho propõe a explicação, com base na Estatística, das
“Experiências Monte Carlo com um funil” de Deming, que é uma demonstração
prática da razão de não se corrigir um processo por conta de uma falha.

 

2. A experiência

 

Os
materiais necessários para fazer a experiência são funil, bola de gude que
passe pelo funil, mesa e um suporte para o funil. O procedimento é simples:
primeiramente, coloca-se o funil fixado no suporte sobre a mesa. Marca-se,
então, um ponto sobre a mesa, que será o alvo. Depois, deixa-se a bola de gude cair
através do funil em direção ao alvo assinalado e se marca o ponto em que a bola
de gude realmente parou. Repete-se esse procedimento n vezes. Deming sugere n
= 50. Veja a figura 1.

                           Figura 1: Queda da
bole de gude pelo funil.

Antes
de iniciar o processo – ou seja, antes de começar a lançar a bola de gude pelo
funil – é preciso decidir que atitude tomar na k-ésima queda (k =1,
2,…n) se a bola cair à distância dk do alvo. As atitudes possíveis
– chamadas aqui de regras – são as seguintes:

Regra
1:
manter o funil apontado para o alvo fixado de início,
em todos os lançamentos.

Regra
2
: toda vez que a bola de gude cair
fora do alvo, deslocar o funil de maneira que fique apontado para o ponto em
que a bola caiu.

Regra
3
: toda vez que a bola de gude cair
fora do alvo, deslocar o funil de maneira que fique apontado para uma distância
di do ponto em que a bola cai ou a partir do alvo, na mesma direção,
mas em sentido contrário, tentando corrigir o erro.

 

3. A lógica das regras

 

A
primeira regra é, de longe, a melhor escolha porque conduz à menor variância. Mesmo
que um processo esteja sob controle estatístico, é inevitável haver certa
proporção de perdas. Isto deve ser entendido e assumido.

 

A
segunda regra é tola. Acertar a posição do funil toda vez que a bola de gude
não parar no alvo é excessivo. Os calibradores devem respeitar a precisão dos aparelhos
e ter uma regra para saber quando eles devem ser ajustados. O exemplo prático do
uso desta regra seria de um fabricante de tintas que, toda vez que a cor de um
lote fugisse ao padrão, buscasse acertar a cor do lote seguinte de acordo com a
cor do último lote produzido. A variabilidade das cores aumentaria ao longo do
tempo.

 

A
terceira regra é ainda mais tola. Como o alvo é fixo, o atirador deve mirar sempre
a mosca – e não procurar atirar em um ponto para “compensar” o último erro. O
exemplo prático seria de um ensacador de café que tentasse acertar o peso da
saca calibrando e compensando o erro pelo peso da anterior (se a saca que deveria
ter 60 kg,
pesar 61 kg,
o técnico ajustaria a balança para o peso de 59 kg). A variabilidade
aumenta rapidamente, ou seja, o sistema “explode”. 

 

4. A comprovação estatística

 

O
alvo será a origem do sistema cartesiano, isto é, o ponto O, de coordenadas
(0,0). Na k– ésima (k =1, 2,…n) queda, a bola de gude cai no ponto Pk, à distância dk
do alvo. Veja o sistema de eixos cartesianos da Figura 2, com o ponto de
origem O (alvo) e o ponto Pk
(lugar onde a bola cai). Tem-se que:

Pelo
teorema de Pitágoras:


                                  

Figura
2: Queda da bole de gude pelo funil.

 

  

1.    Estudo da variabilidade do processo
usando a regra 1.

 

No k -ésimo lançamento, a bola de gude
chegará a um ponto 
Pk de
abscissa:


em
que
x0 = 0, porque é a
ordenada da origem e
ei  (i
= 1, 2,…,
k,…, n) são erros aleatórios, ou seja, variáveis aleatórias independentes identicamente distribuídas de média zero e
variância 
s2.

 

     As abscissas do ponto Pk terão, portanto, média dada por:

 

 e
variância:


Analogamente,
no k-ésimo lançamento a bola de gude
chegará a um ponto Pk
de ordenada:

em
que y0 = 0 porque é a
ordenada da origem e ui  (i
= 1, 2,…k…., n) são erros aleatórios, ou seja, variáveis aleatórias
independentes identicamente distribuídas de média zero e variância
s2. Logo: 


Lembrando
(1), pode-se escrever:

                                                        

Portanto,
se nos n lançamentos o funil for apontado
para o alvo fixado de início, as coordenadas dos pontos em que a bola de gude
cai terão média zero e variância
s2. A distância dos n pontos em relação ao alvo terão
variância 2
s2.

 

1.    Estudo da variabilidade do processo
usando a regra 2.

 

Se,
toda vez que a bola de gude cair fora do alvo, o funil for apontado para o
ponto em que a bola caiu, tem-se que:


Portanto,
se nos n lançamentos, toda vez que a
bola de gude cair fora do alvo, o funil for deslocado de maneira a ficar
apontado para o ponto em que a bola caiu numa tentativa de corrigir o erro, as
coordenadas dos pontos em que a bola de gude cai terão média zero e variância n2. A distância dos n pontos em relação ao alvo terão
variância 2n2, ou seja, a
variância aumenta em função do número de jogadas.

 

1.    Variabilidade do processo usando a
regra 3.

 

Na (k-1)-ésima jogada, a bola de gude cai no
ponto Pk-1. Se
o operador optar pela regra 3, apontará o funil para o ponto Pk  de ordenadas qxk-1, qyk-1
,em que k ≠ 0 e k ≠ 1. Nestas condições:

A
equação (4) mostra que, deslocando o funil de tal maneira que fique apontado
para uma distância q do ponto em que
caiu a bola de gude em seu último lançamento, o processo rapidamente “explode”.
O ponto atingido pela bola de gude fica, a cada lançamento, mais afastado do
alvo.

 

5. Conclusão

 

Um
processo sob controle estatístico pode estar produzindo muitos itens não
conformes. Então a meta é diminuir a
variabilidade
e não somente manter o
processo sob o controle estatístico
. Curiosamente, não se consegue diminuir
a variabilidade com ajustes excessivos. Se a variabilidade for alta, é preciso
corrigir todo o sistema.

 

6. Referências

 

DEMING, W. E. Some theory of sampling. New
York, Dover, 1996.

DEMING, W. E. Qualidade: a revolução da administração. São Paulo: Saraiva. 1960.


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